domingo, 19 de junho de 2011

MATÉRIA DESTAQUE

CARLOS LESSA
O CARIOCA OBCECADO

Por Arnaldo Bloch (arnaldo@oglobo.com.br)

RIO - Apenas uma murada divide a casa de Carlos Lessa - um dos economistas mais respeitados do Brasil - dos limites do Cerro Corá, morro no Cosme Velho que ainda não tem UPP. Quando comprou o terreno de dimensões modestas (para o estereótipo que se faz de um homem que já ocupou cargos como a presidência do BNDES), o preço estava lá embaixo. Imediatamente, assumiu a associação de moradores do bairro e pôs em cargos-chave habitantes da favela, onde o chamam de professor - única atividade, entre dezenas, que exerceu sem cessar desde os seus vinte anos e ainda exerce, por teimosia. Chegou a reitor da UFRJ. Entre seus ex-alunos: José Serra e Dilma Roussef.

No solo do jardim oblíquo da casa, Lessa plantou mudas de espécies variadas e aleatórias, cujo florescer se estende encosta acima, dando ao conjunto um ar de Burle-Marx.
- Paisagismo é cascata. Fui eu que fiz sem ajuda profissional. É só plantar um pouco de cada. Nasce fácil e fica bonito e harmonioso - despista o homem que estuda tudo que o interessa, da fórmula matemática da curvatura que define uma concha à descoberta de que a embalagem do leite em caixa custa mais que o próprio líquido - o que o levou a defender a volta do leite barriga-mole, em saco.

- O povo gostava porque eu ia de terno. Sentiam-se prestigiados por me vestir bem para estar com eles. Os garotos de esquerda iam esfarrapados. Era falso, pura fantasia. Eles não eram aquilo.

- Meu pai era um médico culto e severo que estudava História e tinha uma biblioteca fabulosa. Só de ler as lombadas, pois não podia tocar nos volumes, já me eduquei e adquiri amor pelo Brasil. Minha mãe se dava com pessoas de cor e recebia gente sem recursos para almoçar em casa. Essa naturalidade fez com que eu tomasse a exceção por regra e distorceu minha visão do que era nossa sociedade.
Nas favelas do Recife, a pedido de Arraes, ele viu as pessoas vivendo em palafitas sobre manguezais em condições indescritíveis. Foi o grande choque. Uma sociedade que deixa existir algo assim - pensou - tem um erro fundamental. A novela era de que todos se davam bem, na cadência do futebol e das escolas de samba. De repente não era nada disso: a realidade era aquela: as palafitas, os alagados de Salvador, a Maré. Em suma, o país era assim.

Plataforma em defesa da jaca
Curiosamente, tal percepção não derivou para a militância de esquerda. Impactado pelos relatos de Arthur Koestler sobre os expurgos stalinistas, já se convencera de que a ditadura do proletariado jamais se conciliaria com seu espírito democrático.
- Além disso, o pessoal da esquerda me vinha com essa ideia do povo como protagonista da História. Como é que esse sujeito que mal come vai ser protagonista? As esquerdas não sabiam o que era o Brasil, enquanto as elites fechavam os olhos. Convenci-me, e penso assim até hoje, que uma sociedade que deixa uma parcela enorme da sua gente nessas condições e lava as mãos, tem uma elite de má, de péssima qualidade.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/06/18/carlos-lessa-unica-saida-seguir-sonhando-924720357.asp#ixzz1Pij8qyMZ
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